MARLENE OTTO KUMMER, PERNAMBUCA, FOI A SEGUNDA VEREADORA DE MOSSORÓ, ELEITA EM 15 DE NOVEMBRO DE 1966.
POR MARICELIO ALMEIDA MARICELIO_ALMEIDA@HOTMAIL.COM
Política, professora, advogada. Marlene Otto Kummer se
destacou em todas essas áreas ao longo de sua carreira. Vereadora por Mossoró
em 1967, diretora da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Uern,
primeira advogada a ocupar o Tribunal do Júri em Mossoró, a entrevistada da
semana do caderno Universo enfrenta hoje um dos seus maiores desafios: o mal de
Parkinson, doença que há 12 anos a impede de exercer as funções que abraçou com
tanta competência.
Na conversa a seguir, Marlene Otto relembra episódios
marcantes de sua vida, como a eleição de 1968, quando abandonou o grupo
político do líder Vingt Rosado e decidiu apoiar o adversário Aluísio Alves, a
instalação do Instituto Montessori em Mossoró e o convívio com a Ditadura
Militar, destacando ainda as dificuldades enfrentadas a partir do diagnóstico
do mal de Parkinson. Acompanhe
O Mossoroense: Natural
de Pernambuco, como a senhora chegou a Mossoró?
Marlene Otto:Tornei-me filha de Mossoró por conta da outorga
do título de Cidadã Mossoroense concedido pela Câmara Municipal nos anos 1970.
Vim para Mossoró para me integrar ao Movimento Pé no Chão, tentando implantá-lo
na cidade, o que acabou não ocorrendo. Na época passei a lecionar no Colégio
das Freiras
OM: Então, a senhora
chegou a ser freira?
MO: Sim, foi uma passagem muito rápida, que não me
acrescentou em nada. As alunas até me consideravam uma boa professora. Foi um
ano e meio aproximadamente. Meu objetivo era trabalhar com o método de Paulo
Freire, naquela época todo mundo era meio revolucionário, e eu me via muita
envolvida em tudo aquilo.
OM: A senhora tem uma forte ligação
com o âmbito da política, tendo sido eleita a única mulher vereadora por
Mossoró no ano de 1967. Conte-nos um pouco dessa sua passagem pelo Poder
Legislativo
MO: Fui eleita no auge da Ditadura Militar, 1967, pelo voto
popular, prestigiada pelo líder Vingt Rosado, eu fui vereadora dele. A minha
atuação na Câmara foi marcante porque foi intensa, onde defendi a ideologia do
meu partido político, que tenho até vergonha de dizer qual era, a Arena. Não
estava envolvida com militares, mas sim com meu líder Vingt Rosado, fazia parte
da Arena Vermelha. Dois anos depois de ter sido eleita eu renunciei
OM: Por quê?
va com o quadro político que se desenhava para eleição do ano
seguinte. Eu preferi renunciar e passar para o lado de Aluísio Alves. Quando
renunciei, Aluísio estava louco para pegar uma novidade, como eu era vereadora
de Vingt, fui a grande novidade de Aluísio. Naquela altura, Mossoró era uma
panela de pressão, no “Touro” e no “Capim”. Nesse impasse político muito
acirrado saiu eleito o “Capim”, ocupando a cadeira de prefeito Antônio
Rodrigues de Carvalho, e eu fui nomeada chefe de gabinete da Prefeitura. Já
havia sido chefe de gabinete do prefeito Raimundo Soares, mas como ele era do
lado de Vingt, quando aderi ao grupo de Aluísio pedi demissão da chefia
OM: E que ações a
senhora destacaria do período em que esteve à frente da chefia de gabinete da
Prefeitura Municipal de Mossoró na gestão de Antônio Rodrigues de Carvalho?
MO: Ninguém fazia nada. Estávamos muito alegres por ter derrotado
Vingt Rosado. Passamos um ano respirando
“Nunca tinha ouvido falar nesse mal, até o dia que o médico
Paiva Lopes me diagnosticou, há 12 anos. Passei a não aceitar aquela condição”
do política, política e política. Porém, essa vitória de
Aluísio Alves custou a ele a cassação de seu mandato e dos direitos políticos
por 10 anos pelo AI-5. Aluísio foi cassado, a pedido de Dinarte Mariz, por
conta dessa vitória em Mossoró. Nunca houve uma campanha tão forte como essa.
Foi uma campanha muito acirrada, mas no âmbito da política, não de maneira
indecente como ocorreu no ano passado, com a prefeita já sendo cassada por seis
vezes. Na época, o candidato a prefeito pelo grupo de Vingt foi o seu irmão,
Vingt-un Rosado. Quando Aluísio foi cassado fiquei muito desencantada e resolvi
deixar Mossoró, indo para o Rio de Janeiro, onde morei sete anos. Lá chegando,
passei a trabalhar no Programa Nacional de Teleducação (Prontel), com uma
equipe de técnicos em educação formada quase que em sua totalidade por
militares, homens muito bem preparados. Comecei então a tirar a política da
minha cabeça, respirando uma nova cultura, voltando meus olhos para a educação.
Lá no Rio de Janeiro me envolvi com a Metodologia Montessoriana. O Instituto
Montessori de Mossoró foi meu. Descobri que em Mossoró estavam aplicando a
metodologia, me apressei para voltar e comprei 40% de uma escola, onde assumi a
parte administrativa. Foi um momento muito bom para mim.
OM: A senhora então esteve no Rio de Janeiro no auge da
Ditadura Militar. Que lembranças guarda dessa época?
MO: O RJ lavou minha cabeça. Apesar de haver muitas mortes,
muita polícia na rua, havia uma efervescência educacional. Eu gostei da
Ditadura. As pessoas não andavam no meio da rua quebrando tudo como hoje. Havia
muito respeito. Claro que havia muita coisa errada, mas ninguém fazia o que se
faz hoje não.
OM: Na opinião da
senhora, o Brasil vive atualmente um período pior do que o da Ditadura Militar?
MO: Na democracia de hoje se pode fazer tudo, desde que se
obedeça a Constituição Brasileira. O que acontece é que estão invadindo
propriedades, desrespeitando o próximo. No auge da revolução, você sabia que
ganhava R$ 5 mil por mês, e que no mês seguinte ganharia a mesma coisa, e dava
para se comprar o que era necessário, não havia greves, por exemplo, era linha
dura mesmo. Em partes, gostei da Ditadura. Na época tudo favorecia
OM: E a relação da
senhora com o Direito, quando teve início?
MO:Quando comprei 40% do Instituto Montessori, ao mesmo
tempoprestei vestibular para Direito. Quando terminei o curso fui convidada
pelo reitor, padre Sátiro Cavalcanti, para assumir a função de professora na
Uern. Pouco tempo depois, fui eleita diretora do Instituto de Ciências Humanas
(ICH). Foi uma eleição muito acirrada, e me elegi com votos dos três segmentos
da Universidade. O Instituto agregava quatro cursos: Direito, Ciências Sociais,
História e Geografia. Era uma responsabilidade muito grande. Assinava os
diplomas dos alunos de todas essas graduações. Depois houve uma divisão do ICH,
com Direito de um lado e a Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (Fafic) do
outro, então tive que escolher entre ficar com Direito ou a Fafic.
OM: E qual foi a sua
escolha?
MO: Preferi ficar com a Fafic, indicando Paulo Linhares para
ficar na diretoria do curso de Direito. Eu até disse em uma reunião que a
indicação foi feita pelo cacife que Paulo tinha junto ao prefeito, pois o curso
estava precisando muito de uma mãozinha. Ao término do meu mandato na Fafic eu
recebi da Reitoria o título de professora emérita da Uern, que guardo com muito
carinho. Do Departamento de Direito, na mesma época, fui agraciada com uma
menção honrosa pelo bom desempenho à frente do IHC, uma iniciativa do professor
Paulo Roberto Dantas Leão
OM: Uma forma de
reconhecimento pelo trabalho que a senhora desenvolveu junto à Uern...
MO:Foi. Eu digo que a Uern foi tudo na minha vida. Agora mesmo
diante de tantos títulos e honrarias, percebi que minha saúde não ia bem. Na
época já era uma advogada criminalista, muito feliz no Tribunal do Júri, eu
sentia que a minha saúde não estava muito boa. Vinha de um desgaste da
Universidade muito grande. Fui feliz
OM: A senhora citou a
participação em Tribunais do Júri, sendo a primeira mulher a atuar, como
advogada, em um Tribunal de Júri
MO: A primeira mulher a ocupar a Tribuna do Júri. Eu não sei
como está hoje, mas antes se precisava de muita coragem, antes e depois. Antes
para preparar a defesa e depois para enfrentar aqueles que perderam as causas
OM: Como se deu o
processo de preparação até chegar a ocupação da Tribuna?
MO: Eu já vinha de uma oratória conhecida na Tribuna da
Câmara Municipal. Fui locutora da Rádio Tapuyo, tinha facilidade de expressão,
uma dicção muito boa. Na Tribuna do Júri o que mais chamava atenção era a minha
dicção, minha velocidade de raciocínio, que não tenho mais, que agradava demais
aos jurados. Devo ter participado de uns 50 tribunais, perdi só duas causas.
Passei uns três anos nessa área, mas adoeci. Sempre fui considerada muito
corajosa, firme em minhas decisões. Estudava muito para enfrentar os
adversários, que na maioria das vezes eram promotores bem preparados.
OM: Qual foi o caso
mais difícil que a senhora enfrentou?
MO:Teve um, cujo advogado era Ítalo Pinheiro. Foi muito
difícil mesmo, mas no dia ele estava muito cansado, vinha de uma eleição em
Natal, e eu o peguei pelo cansaço, vi que ele estava cochilando. Ítalo não
reparou em uma pergunta que tinha no laudo cadavérico, que questionava o autor
dos tiros, e tinha ‘ignorado’. Se o autor dos tiros era ignorado, na dúvida
absolvese o réu. Era um caso de povo rico do sertão, e o processo ficou
guardado muito tempo, as folhas estavam amareladas. Eram cinco réus, aí eu
acordei Ítalo e disse ‘Preste atenção: qual desses aqui atirou e matou, Uni
Duni Tê’. Isso foi porque ele deu um cochilo, não examinou o laudo, todos foram
absolvidos. Ninguém pode condenar ninguém na dúvida
OM: Hoje a senhora mora
em Natal. O que a levou a morar na capital do RN?
MO: Estou há três anos morando aqui, com uma esperança que a
ciência consiga alguma coisa, não para mim que já tenho 77 anos, mas para
aqueles que no futuro possam ser acometidos pelo mal de Parkinson, que é a
minha doença. Nunca tinha ouvido falar nesse mal, até o dia que o médico Paiva
Lopes me diagnosticou, há 12 anos. Passei a não aceitar aquela condição. Não sei
como não morri. Hoje me trato em Natal e em Belo Horizonte, buscando um
tratamento que me faça tremer menos, ter menos dores. Soube que em Mossoró
existe um grupo que está organizando uma Sociedade de Amigos dos
Parkinsonianos, mas como não posso viajar não consegui me inscrever nessa
Associação
OM: Mas, a senhora
participa de algum grupo nesse sentido?
MO: Sim. Sou inscrita no Instituto de Parkinsonianos do
Brasil, localizado no Rio de Janeiro. Eles nos dão uma ajuda psicológica.
Muitas pessoas se desesperam ao serem diagnosticadas, principalmente aquelas
que tinham uma vida ativa, como a minha. Foi uma mudança muito repentina. As
armas do advogado são a escrita e a fala, fiquei sem as minhas armas. Fiquei
depressiva, de maneira a não querer receber ninguém em minha casa em Mossoró,
não queria que ninguém me visse tremendo
OM: Para concluir, do
que a senhora sente mais falta: da Universidade, da Política ou do Tribunal do
Júri?
MO: Tudo na minha vida foi muito rápido e intenso, só o que
está demorando é esse Parkinson, que não tem jeito. Sinto falta do Tribunal do
Júri. Estudava muito, me preparava demais, tanto intelectualmente como
psicologicamente, era minha vida. Eu aguardo um milagre da ciência, para tirar
muita gente dessa doença. Vamos ver se eles conseguem. No Instituto, dizem que
essa é uma doença de intelectuais, pessoas que exploram muito os seus
neurônios, o que causa um cansaço.
FONTE – O MOSSOROENSE
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